domingo, 11 de janeiro de 2009

Riscos ambientais e planejamento: O caso de Santa Catarina, 2008

Por que ocorreu agora esta tragédia? Terá sido só culpa da chuva, como referido na mídia?
Não é agora questão de apontar culpados, mas fazer uma reflexão em bases cientificas, na tentativa de impedir problemas futuros maiores.

A chuva foi extraordinária.”No médio Vale do Itajaí ocorreu mais que o dobro da quantidade de chuva que causou a enchente de agosto de 1984. Aquela enchente foi causada por 200 mm de chuva em todo o Vale do Itajaí. Agora, em dois dias foram registrados 500 mm de precipitação, ou seja, 500 litros por metro quadrado, mas somente no Médio Vale e no Litoral.” Equipe do Projeto Piava (Fundação Agência de Água do Vale do Itajaí) http://www.sbpcpe.org

Precipitações pluviométricas repetidas com intensas concentrações no verão são comuns, por exemplo, as inundações em Lages, em fevereiro de 2008.

“Existe uma periodicidade de anos mais secos e anos mais úmidos, com intervalos de 7 a 10 anos, e entramos no período mais úmido no ano passado. Esse mecanismo faz parte da dinâmica natural do clima. De qualquer forma, outros eventos climáticos como esse são esperados e com certeza vão acontecer.” Equipe do Projeto Piava (Fundação Agência de Água do Vale do Itajaí) http://www.sbpcpe.org

Neste contexto, precisamos aceitar que concentrações de chuvas são parte do clima subtropical em que vivemos.
E foi esse clima que originou a nossa vegetação, a mata atlântica e os campos.
Esta cobertura vegetal que é essencial às nossas paisagens, assim como as matas ciliares não existem apenas para enfeitar as margens de rios, mas para protegê-las.
As matas e campos que compõem a cobertura vegetal natural das encostas, dos topos de morros, das margens de rios são as proteções naturais do solo em relação aos processos de erosão provocada por escoamentos superficiais das águas das chuvas, permitem a alimentação dos lençóis subterrâneos e a manutenção de nascentes, banhados e rios, e evitam que a água da chuva provoque inundações rápidas (enxurradas).
“De todos os desastres naturais, as enchentes são os mais previsíveis, e por isso mais fáceis de lidar. Os deslizamentos e as enxurradas não.” Equipe do Projeto Piava (Fundação Agência de Água do Vale do Itajaí) http://www.sbpcpe.org

A retirada da vegetação para construção de habitações e estradas sem acatar as condições do relevo nem poupar a distância de precaução dos cursos d’água acaba se tornando um fator de risco à existência das obras e outras estruturas, como o gasoduto e a BR 101em Santa Catarina.

Conforme a ONU, a face humana das mudanças climáticas corresponde à perspectiva de furacões, secas e tempestades romperem as estruturas sociais e econômicas de cidades ou de países, agravarem a fome e a violência no mundo, ampliarem epidemias de doenças infecciosas, aumentarem a marginalização social e motivar migrações de milhões de pessoas. E isto se refere à quase metade da população mundial que habita áreas de risco de algum tipo. www.ambientebrasil.br 06/04/2005

Os fatores de riscos são estudados há anos por equipes da USP e da GEORIO (Prefeitura do Rio de Janeiro).



Além disto, as condições locais do relevo também são favoráveis a este tipo de ocorrência.

Os fatores causadores de deslizamentos e demais processos de movimentos de massa são fenômenos da geodinâmica natural. O desmatamento não é sua principal causa, mas o excesso de chuva, que altera as propriedades que dão estabilidade aos solos e mantos de alteração para permanecerem nas encostas. Temos de lembrar que as mudanças climáticas estão efetivas, concentrações de chuvas estão ocorrendo e não sabemos qual será a recorrência destes episódios, mas sabemos que existe a tendência de continuarem e expandirem, já que as alterações ambientais não podem ser rapidamente revertidas. Sob a alegação de elevados custos, poucas medidas estão lentamente sendo planejadas. Mas, vimos recentemente imensas somas que foram aplicadas na diminuição de impactos da crise econômica mundial. Então, podemos afirmar que há falta dinheiro?

Devemos reduzir os impactos e ao mesmo tempo adaptar nossas construções e usos às mudanças climáticas. Isto me faz lembrar o titulo de uma palestra do geólogo Agostinho Ogura, em 2004: ESCORREGAMENTOS, EROSÕES E ENCHENTES: FATALIDADE OU FALTA DE PLANEJAMENTO ?

No caso de ocupação de encostas do vale do Itajaí, assim como outras áreas da encosta do Planalto Atlântico, com cortes dos barrancos e com interrupção em patamares, são cruciais os fatores inerentes ao regolito, que é pouco resistente, se apresenta muito profundo e com vários planos de possíveis rupturas (as descontinuidades das rochas), além da grande inclinação natural das encostas.

Assim, está formado o cenário da tragédia acontecida em Santa Catarina mas também reincidente em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, em regiões com substrato de rochas metamórficas e sedimentares.

Os processos de ocupação dos solos nas cidades não acontecem levando em conta que estão assentadas sobre rochas antigas, com alto grau de intemperismo, com baixa capacidade de suporte.
Cortes e mudanças nas encostas aumentam a instabilidade natural. A concentração de chuvas acaba com a pouca resistência e aí acontece o deslizamento.
Acidentes por escorregamentos e deslizamentos de regolito, por inundações e erosão pela chuva e ação dos rios são condicionados por diferentes fatores, mas todos componentes da dinâmica natural do meio físico. Os mesmos fatores que condicionam a morfologia dos relevos, que é uma resposta a estes diversos fatores da natureza, que vão modelando a paisagem no sentido do equilíbrio geodinâmico, resultante de processos de erosão e deposição que foram, progressivamente, ao longo de milhões de anos, ajustando as paisagens a uma estabilidade temporária. O conhecimento geomorfológico permite-nos entender a ação destes processos e buscar os menores impactos possíveis à paisagem.

A ocupação do solo é ordenada por leis municipais, os Planos Diretores. São essas leis que definem como as cidades e os municípios devem crescer, que áreas vão ocupar e como se dará a ocupação. Por falta de conhecimento técnico ou por não levá-lo em consideração, os poderes públicos (executivo, judiciário e legislativo) “deixam acontecer”...

Nossa principal lei federal, o Código Florestal, que já é “quarentona” (Lei Federal 4.771, de 15 de setembro de 1965), tem sido sistematicamente desrespeitada pelos planos diretores em praticamente todo o Vale do Itajaí, assim como, infelizmente, na maioria do território brasileiro, sob a argumentação de que o município (ou o valor imobiliário???) é soberano para deliberar, ou talvez julgando que a mata é um “enfeite” desnecessário, muitas vezes até alegando questões de segurança pública.
Desta maneira, as encostas têm sido ocupadas, retalhadas e recortadas, sem considerar as condições naturais especificas de cada caso.

Estamos vendo uma falta de entendimentos que está baseada na idéia, e na irresponsabilidade, de que temos primazia para descaracterizar as condições dos terrenos para satisfazer nossos projetos, em vez de adequarmos nossos projetos à realidade dos terrenos, à dinâmica natural dos processos.

Infelizmente, nas áreas rurais também é assim, com a fiscalização ambiental pouco eficiente no controle de desmatamentos e intensidade de cultivos em locais desaconselháveis, como mostram denúncias divulgadas por redes de entidades ambientalistas. Portanto, há um longo caminho para trilharmos até a uma sociedade responsável e comprometida com o seu ambiente. Mas temos de começar logo!

Precisamos evoluir muito na gestão urbana e rural e encontrar estruturas e instrumentos que permitam a convivência entre cidade, agricultura, rios e encostas.

Referindo a Santa Catarina: “Não adianta reconstruir o que foi destruído, sem considerar o equívoco do paradigma que está por trás desse modelo de ocupação. É necessário pensar soluções sustentáveis. O desafio é reduzir a vulnerabilidade.” ”Uma estranha coincidência é que a tragédia catarinense ocorreu na semana em que a Assembléia Legislativa concluiu as audiências públicas sobre o Código Ambiental, uma lei que é o resultado da pressão de fazendeiros, fábricas de celulose, empreiteiros e outros interesses, apoiados na justa preocupação de pequenos agricultores que dispõe de pequenas extensões de terra para plantio.”
Equipe do Projeto Piava (Fundação Agência de Água do Vale do Itajaí) http://www.sbpcpe.org

O que vemos é a drástica redução das áreas de preservação permanente ao longo de rios e banhados, a desconsideração de áreas declivosas, topos de morro e nascentes, além da eliminação das áreas protegidas dos campos de altitude (que são recarga de aqüíferos). Estes são danos causadores de aumento de ocorrência e agravam os efeitos de catástrofes como a que estamos vivendo.

“Alega o deputado Moacir Sopelsa que a lei ambiental precisa se ajustar à estrutura fundiária catarinense, como se essa estrutura fundiária não fosse, ela mesma, um produto de opções anteriores, que negligenciaram a sua base de sustentação.” Equipe do Projeto Piava (Fundação Agência de Água do Vale do Itajaí) http://www.sbpcpe.org

”A prevenção e a detecção de desastres naturais e, depois, a resposta e a recuperação, exigem articulação institucional, do governo nacional ao local, e ação coordenada dos serviços de meteorologia, hidrologia, geologia, marinha e saúde, além da conscientização, participação e cooperação da sociedade civil, com base em planejamento e uma legislação que funcione antes, durante e depois das tragédias.” Carlos Fioravanti. As faces do tempo. In Pesquisa. FAPESP, 154, setembro 2008.

Os poderes públicos e privados necessitam aprender que a estrutura fundiária e a urbana precisam se ajustar à Natureza, cujas leis são irrevogáveis, sabendo-se que a tentativa de “revogá-las” ou ignorá-las valem vidas, patrimônios e dinheiro.

Um comentário:

  1. Parabéns pela postagem. Também estou postando temas relacionados a esta questão. Abraços.

    ResponderExcluir